terça-feira, 18 de setembro de 2007

Decisões judiciais politicamente incorretas

Pérolas jurisprudenciais: decisões judiciais politicamente incorretas:

I – Direito à saúde: decisão que indeferiu pedido de antecipação de tutela para portadores do HIV que pretendia obter a medicação gratuitamente. Na decisão, o juiz fundamentou que não estava presente o perigo na demora, afinal “todos somos mortais. Mais dia, menos dia, não sabemos quando, estaremos partindo, alguns, por seu mérito, para ver a face de Deus. Isto não pode ser tido por dano”.

Veja a decisão:
Poder Judiciário
Sétima Vara da Fazenda Pública
Comarca de São Paulo
Proc. n. 968/01

Indefiro a antecipação de tutela.
Embora os autores aleguem ser portadores de AIDS e objetivem medicação nva que minore as seqüelas da moléstia, o pedido deve ser indeferido, pois não há fundamento legal que ampare a pretensão de realizar às expensas do Estado o exame de genotipagem e a aquisição de medicamentos que, segundo os autores, não estão sendo fornecidos pelo SUS.
A Lei 9.313/96 assegura aos portadores de HIV e doentes de AIDS toda a medicação necessária a seu tratamento. Mas estabelece que os gestores do SUS deverão adquirir apenas os medicamentos que o Ministério da Saúde indicar para cada estado evolutivo da infecção ou da doença. Não há possibilidade de fornecimento de medicamentos que não tenham sido indicados pela autoridade federal.Por outro lado, não há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Todos somos mortais. Mais dia, menos dia, não sabemos quando, estaremos partindo, alguns, por seu mérito, para ver a face de Deus. Isto não pode ser tido por dano.
Daí o indeferimento da antecipação de tutela.
Cite-se a Fazenda do Estado.
Defiro gratuidade judiciária em favor dos autores.
Intimem-se.São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2001.
Antonio Carlos Ferraz Muller
Juiz de Direito

II - Direito do Trabalho – Dignidade Humana: acórdão do TRT de Minas Gerais que entendeu que não ofende a dignidade da pessoa humana transportar trabalhadores em meio a fezes de suínos e bovinos.

Veja a ementa da decisão:

Processo : RO - 484/03
Data de Publicação : 25/03/2003
Órgão Julgador : Setima Turma
Juiz Relator : Exmo Juiz Milton V Thibau de Almeida
Juiz Revisor : Exma Juiza Maria Perpetua C.F.de Melo
EMENTA: DANOS MORAIS. TRANSPORTE INADEQUADO. AUSÊNCIA DE OFENSA À DIGNIDADE HUMANA. Poder-se-ia questionar no âmbito administrativo uma mera infração das normas de trânsito do Código de Trânsito Brasileiro quanto ao transporte inadequado de passageiros em carroceria de veículo de transporte de cargas, o que não é da competência da Justiça do Trabalho. Mas se o veículo é seguro para o transporte de gado também o é para o transporte do ser humano, não constando do relato bíblico que Noé tenha rebaixado a sua dignidade como pessoa humana e como emissário de Deus para salvar as espécies animais, com elas coabitando a sua Arca em meio semelhante ou pior do que o descrito na petição inicial (em meio a fezes de suínos e de bovinos).

III - Constitucional – Administrativo – Transporte Coletivo Gratuito para Idosos: decisão do Min. Edson Vidigal, na época em que presidia o Superior Tribunal de Justiça, negando o direito das pessoas idosas (chamadas pelo Ministro de “matusaléns carcomidos”) de obterem passagens gratuitamente em transportes coletivos, apesar da previsão constitucional.

Veja trecho da decisão:

“Dinheiro não dá em árvores. Por mais verdes que sejam, as folhas não se transmudam em Dólares. Nem nos Reais da nossa atual unidade monetária, que exibe uma mulher cega, ar desolado de quem ganhou e logo perdeu a última olimpíada. (...)
Nossas relações econômicas se regem pelas regras do sistema capitalista, da economia de mercado, não sendo lícito ao Estado, em nome de uma obrigação que é sua, confiscar vagas em ônibus ou qualquer outro meio de transporte, sem a correspondente contrapartida indenizatória.
Se isso não tem previsão contratual, não está em vigor, não foi pactuado entre a empresa e o Estado; ainda que essa ordem decorra de uma Lei, não está a empresa autorizada, concessionária ou permissionária, obrigada a transportar de graça o matusalém, por mais carcomido que apareça.
Um País com tantos problemas como os da sonegação fiscal, da corrupção com o dinheiro público, o das evasões inconfessáveis de bilhões de dólares para os escaninhos ilícitos dos paraísos fiscais; um País precisado de tantos investimentos externos indispensáveis ao enfrentamento do desemprego e precisado de desenvolvimento econômico, não pode cochilar especialmente nesse tema de respeito aos contratos.
O que se trata aqui com essa lei generosa, misericordiosa, bem intencionada, em favor dos velhinhos humilhados porque não podem andar de ônibus, tem a ver com o respeito ou desrespeito aos contratos”.

IV - Caso Richarlyson: o juiz, ao negar prosseguimento de ação criminal (queixa-crime) proposta pelo jogador Richarlyson contra um cartola do Palmeiras que insinuara homossexualidade do atleta, utilizou expressões nitidamente preconceitusas, afirmando, entre outras coisas, que "o futebol é jogo viril, varonil, não homossexual".

Veja a íntegra da decisão:
Processo n° 936/07
Conclusão
A presente queixa-crime não reúne condições de prosseguir.Vou evitar um exame perfunctório, mesmo porque é vedado constitucionalmente, na esteira do artigo 93, inciso (IX), da carta Magna.
1. Não vejo nenhum ataque do querelado ao querelante.
2. Em nenhum momento o querelado apontou o querelante como homossexual.
3. Se o tivesse rotulado de homossexual, o querelante poderia optar pelos seguintes caminhos:
3.A — não sendo homossexual, a imputação não atingiria e bastaria que, também ele, o querelante, comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser homossexual e ponto final;
3.B — se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados...Quem é, ou foi, BOLEIRO, sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num “TÈTE-À-TÈTE”Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro.Em Juízo haverá audiência de retratação, exceção da verdade, interrogatório, prova oral, para se saber se o querelado disse mesmo...e para se aquilatar se o querelante é, ou não...
4. O querelante trouxe em arrimo documental, suposta manifestação do “GRUPO GAY”, DA BAHIA (FOLHA 10) em conforto a posição do jogador. E também suposto pronunciamento publicado na Folha de S.Paulo, de autoria do colunista Juca Kfouri (folha 7), batendo-se pela abertura, nascanchas de atletas com opção sexual não de todo aceita.
5. Já que foi colocado como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não homossexual. Há hinos que consagram essa condição: “OLHOS ONDE SURGE O AMNHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”. [trecho do hino do Sport Clube Internacional, de Porto Alegre (RS)]
6. Está situação incomum do mundo moderno, precisa ser rebatida...
7. Quem se recorda da “COPA DO MUNDO DE 1970”, quem viu o escrete de ouro do jogador (Félix, Carlos Alberto, Brito, Everaldo e Piaza; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino), jamais conceberia um ídolo seu como homossexual.
8. Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas: Sejas, Clodoaldo, Pelé e Edu no Peixe; Manga, Figueroa, Falcão e Caçapava, no Colorado; Carlos, Oscar, Vanderlei, Marco Aurélio e Dica, na Macaca; dentre inúmeros craques,não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol.
9. Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas, forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si.
10. O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns colunistas (se é que realmente se pronunciaram neste sentido) teimem em projetar para os gramados, atletas homossexuais.
11. Ora, bolas, se a moda pega,logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o acesso de tantos por agremiação...
12. E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro e, homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.
13. Mas o negro desvelou-se (e em vária atividades) importantíssimo para a história do Brasil: o mais completo atacante, jamais visto, chama-se Edson Arantes do Nascimento e é negro.
14. O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal...
15. Para não se falar no desconforto do torcedor,que pretende ir ao estádio, por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análise dos comportamento deste, ou aquele atleta, com evidente problema de personalidade, ou existencial; desconforto também dos colegas de equipe, do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.
16. Precisa, a propósito, estrofe popular que consagra:
“CADA UM NA SUA ÁREA, CADA MACACO EM SEU GALHO, CADA GALO EM SEU TERREIRO, CADA REI EM SEU BARALHO”.
17. É assim que eu penso...e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!
18. Rejeito a presente queixa-crime. Arquivam-se os autos. Na hipótese de eventual recurso em sentido estrito, dê-se ciência ao Ministério Público e intime-se o querelado para contra-razões.
São Paulo, 5 de julho de 2007.
Manoel Maximiano Junqueira Filho
juiz de direito titular

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