quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Meu ponei

Quando era criança e morava numa casa, ganhei um pônei de presente. Luís Roberto, o nome dele. Toda criança sonha em ter um bicho desses, entende? Só que eu fui crescendo, ficando velho, e o pônei lá, firme e forte, me causando um profundo constrangimento. Provavelmente eu era o único sujeito por volta dos vinte e cinco anos que ainda tinha um pônei. E pior: há alguns anos nos mudamos para um apartamento e fui obrigado a ficar com aquele bicho no meu quarto. Luís Roberto defecava pelo carpete, espalhava alfafa na minha cama... Desagradável. Mas nada superou este dia quando o pônei comeu o meu controle remoto no meio do jogo da Copa, fazendo o som da televisão desaparecer. O Brasil enfrentava a Inglaterra e eu não podia ouvir a narração da partida, algo fundamental para mim. Tomado pelo desespero, soquei a barriga do pônei e a TV mudou de canal. Dei mais um outro soco e, novamente, a televisão sintonizou em outra emissora. Fui continuando assim, esmurrando a barriga do bicho até conseguir retornar à transmissão do jogo. Mas como o aparelho continuava sem som, resolvi ligar para o Marcos, amigo de fé.

- Alô, Marcos?
- Diga, irmão camarada.
- Rapaz, arranjei um problema sério: o pônei Luís Roberto comeu o meu controle remoto e eu tô desesperado, sem conseguir ouvir nada na televisão. Eu preciso da sua ajuda: narra o jogo pra mim?
- Como assim?
- Assistir ao jogo em silêncio é horrível. Eu adoro a narração, as análises. Nunca perdi uma mesa redonda. E você é bom nisso, sabe fazer comentários engraçados, criar polêmicas. Vai narrando então a partida daí.
- Tá... Ahnn... Deixa ver... Edmílson toca a bola com segurança para Kléberson. Kléberson corre pela lateral e cruza pra Rivaldo, que passa para Ronaldinho, que chuta... E é gol!!
- Goooooooooolllll ! Grita comigo: Gooooooolllll!
- Goooooooooooooollll!

E após este momento mágico do gol, deste súbito e espontâneo orgasmo esportivo, inicia-se uma gritaria na casa do Marcos. Era a mulher dele, metralhando desaforos.

- O que houve, Marcos?
- É a Fafá brigando comigo. Eu acordei a criança na comemoração.

Marcos tentava se desculpar com sua mulher, que continuava gritando, agora em coro com a criança. A bola estava no centro do campo e o jogo ia reiniciar.

- Ô Marcos, faz essa mulher calar a boca! Não está dando pra ouvir nada.
- Não consigo. Ela está muito chateada comigo.
- Seja homem, porra! Manda ela pra puta que o pariu. Mulher chata... Olha para a Fafá e repita comigo "vá pra puta que o pariu, mulher imprestável!"
- "V-vá pra pu-puta que o pariu, mu-mulher imprestável!!"

Nessa hora eu não consegui ouvir mais nada. Gritos, urros guturais, berros, eu não sei como classificar aquilo. Se estivesse vivo, Aurélio Buarque de Hollanda provavelmente pensaria profundamente sobre o assunto e acabaria catalogando aquele som na letra U, sob o verbete "Um barulho aí alto e estranho pra caralho".

- E aí, Marcos? O que está acontecendo? Narra pra mim!
- Tá bem, tá bem. Fafá está gritando comigo. Gritando muito! E ela agora parte em direção ao quarto, lança a criança na cama, revira o armário, enfia minhas roupas na mala, enfia a criança na mala, arranca os cabelos, rola no chão, ouve um choro abafado e tira a criança de dentro da mala, joga na minha cara a velha história da marca de batom no meu colarinho e me faaaaaaz sentir culpado.
- 1 a 0 pra Fafá, Marcos.
- E ela recomeça: parte em direção à área, de onde ela chuta a mala pra fora, pega um rodo e me expulsa de casa.
- Fim de jogo, então. Tô passando aí na portaria pra te buscar.
- Ok.

Apareci na portaria montado no pônei Luís Roberto. E ao me ver, Marcos se aproximou, carregando sua mala.

- Vamos embora. A Fafá ligou para toda a família dela. Ligou até pra minha mãe. Eles estão vindo pra dar apoio moral e conversar com ela sobre a nossa briga.
- Sei... Faz o seguinte: monta no pônei e fica com as chaves de casa. Eu te encontro lá mais tarde.
- E você, para onde vai?
- Vou ficar por aqui mesmo, esperando a sua mãe e a família da Fafá chegar.
- Mas por quê?!
- Bem, você sabe: eu nunca perco a mesa redonda.

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